A Rússia aposta em uma nova estratégia em um momento desfavorável da Ucrânia. Em meio a um inverno rigoroso (Hemisfério Norte), os russos vêm intensificando os ataques contra a infraestrutura civil, ampliando o pânico entre a população já bastante abatida pela guerra, que completa dois anos nesta sábado, 24.
A onda de ataques começou em dezembro, com mísseis e drones lançados contra as principais cidades ucranianas, incluindo Kiev, Kharkiv, Lviv e Odessa. Os ataques deixaram mais de 30 mortos. Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que o objetivo é enfraquecer o apoio ucraniano à guerra e forçar uma negociação.
"A Rússia espera levar a Ucrânia à rendição", afirma Raphael Cohen, analista da Rand Corporation, centro de estudos de Washington. Cohen diz que a estratégia de combinar mísseis e bombas diferentes foi usada na 2.Ð Guerra e na Guerra do Vietnã.
Moscou também quer testar o aparato de defesa ucraniano, em um contexto de redução do fornecimento de armas da Europa e dos EUA. "Os ataques parecem ser reflexo de vários meses de experimentação com combinações diferentes de drones e mísseis para testar as defesas aéreas ucranianas", afirma um relatório do Instituto para o Estudo da Guerra, centro de estudos dos EUA.
Os ataques russos estão sendo feitos com bombas menos sofisticadas, baratas e difíceis de interceptar, mísseis de curto alcance e drones, como estratégia para a destruição de infraestrutura civil e industrial. O aparato de curto alcance fica pouco tempo no ar e passa pelas defesas ucranianas.
Perigo
A combinação expôs a vulnerabilidade do sistema de defesa ucraniano. "Temos uma escassez de mísseis guiados antiaéreos, ninguém esconde isso", disse o porta-voz da Força Aérea Ucraniana, Yuri Ignat, em janeiro.
O relatório do Instituto para o Estudo da Guerra ressalta o uso dos drones iranianos Shahed e dos mísseis russos Kinzhal e Iskander, que viajam em alta velocidade, ficam pouco tempo no ar e podem se tornar imunes à guerra eletrônica. "Os russos usaram os Shaheds para contornar as defesas ucranianas e mísseis balísticos para infligir dano máximo. Os ucranianos não interceptaram nenhum dos disparos", completa o relatório.
A nova onda de ataques reforça o cálculo de analistas de que a Rússia armazenou uma grande quantidade de mísseis para usar em sua nova campanha de inverno. Moscou também aumentou a sua produção de mísseis como parte de uma transição para uma economia de guerra. "A Rússia se mobilizou para a guerra", disse Cohen. "Eles conseguem continuar com esses ataques por muito tempo."
Ataques russos no inverno já ocorreram antes. No ano passado, Moscou atacou a infraestrutura energética ucraniana. Apesar dos danos, a Ucrânia não se rendeu. A estratégia agora é mais abrangente, com alvos militares e industriais, além de civis, como shoppings, hospitais e edifícios. Especialistas concordam que a Ucrânia não se renderá e o apoio da população à guerra deve permanecer inalterado.
"A estratégia russa é uma tentativa de enfraquecer o apoio popular ucraniano à guerra", disse Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade Harvard e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). "A estratégia não funcionou no inverno passado e não vai funcionar agora."
Para Constanze Stelzenmüller, diretora do Brookings Institution, os ataques russos tiveram o efeito oposto do esperado por Moscou, aumentando o apoio ucraniano à guerra."A estratégia deu fôlego maior para a sociedade ucraniana e relembra o Ocidente a razão de apoiar Kiev."
A defesa ucraniana depende da ajuda do Ocidente. Sem os repasses, a Ucrânia corre risco. "Kiev precisa de munição, além de sistemas de defesa antidrone e antimíssil", disse Stelzenmüller. Segundo ela, o Ocidente tem sido lento no envio de ajuda.
Apoio externo
Brustolin afirma que a Ucrânia precisa melhorar a guerra eletrônica para bloquear o GPS russo e prevenir mais ataques. De acordo com relatos, isso já está acontecendo. Soldados ucranianos estão interceptando comunicações inimigas, aprendendo códigos e salvando vidas.
A dificuldade de manter o fluxo de apoio internacional passa por disputas travadas em Washington e Bruxelas. Na Europa, o obstáculo tem sido o premiê da Hungria, Viktor Orbán, um aliado da Rússia. Nos EUA, apesar do apoio do presidente Joe Biden, uma ala radical do Partido Republicano, próxima do ex-presidente Donald Trump, questiona a ajuda aos ucranianos.
Com a Câmara dos Deputados sob controle republicano e o Senado dominado pelos democratas, os americanos ainda não chegaram a um acordo para a aprovação de um novo pacote econômico.
Trump, que deve vencer as prévias e ser o candidato republicano nas eleições presidenciais de novembro, já ameaçou cortar o apoio americano à Ucrânia. Além de elogiar Vladimir Putin, ele garante que resolve a guerra "em 24 horas". "Nos EUA, a direita trumpista está tentando impedir o apoio americano à Ucrânia, mas não podemos deixar a Rússia vencer", afirma Stelzenmüller.
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